Pensamentos líquidos 14

Sobre as palavras e a... criação

«Então pensei: estarei doido? Que é uma palavra? Que é a fala? Mundo excessivo, mundo deserto, reinventar-te-ei todo desde as origens. Eis que um homem surgiu à tua face. De que serviria um Deus que me tivesse criado? Terei de recriar eu tudo. Terei de dar um nome às pedras e às estrelas. E só então elas serão a desgraça e a beleza.»

Vergílio Ferreira, Alegria Breve, Bertrand Ed., p. 92

Palavras de eleição 10

Volúpia

Contos 9

Ciclo D - Os indiferentes

Hoje, quando me deitei e fechei os olhos cansados, à espera de um soninho descansado, sem sonhos alteradores, o improvável aconteceu. A vontade cega de encostar o meu corpo cansado ao teu corpo, que me esperaria, já, na cama. Vontade de aninhar a cabeça enlouquecida na curvatura do teu pescoço. Surpreendente. A imagem da ternura. Logo entre nós dois. Os indiferentes.
De qualquer modo, quando fechei os olhos novamente, depois de anuir à surpresa, continuavas ali, com o teu braço direito por debaixo do meu corpo; a abraçar-me. O meu braço direito por cima do teu tronco nu. A tocar no teu ombro esquerdo. Um abraço… perfeito. Dos indiferentes.
Não sei quanto tempo durou o filme incoerente antes do sono ser mais forte. Só posso saber a surpresa e a consciencialização. Como tudo fazia mais sentido do que poderia reconhecer. Como quando, nós os dois, éramos só… vozes. Vozes, vozes, vozes como se tudo dependesse de um som. De cada palavra dita, sem corpo, de cada som suspirado, sem olhar, de cada gemido contido, sem toque, de cada murmurar imperceptível, sem nada. Entre os indiferentes.
Enquanto for verdade este conforto, vale a pena. Enquanto for verdade o sorriso indiscreto. Se sorrisses também, depois de pensares em mim, só aquele sorriso indiscreto e se pensasses nas nossas vozes. Quando são tão perfeitas. Uníssonas. A desbaratar palavras diferentes. A contrariarem e a refutarem. Sim, sei agora, tudo seria possível se também tivesses já pensado as vozes. As nossas. Quando discutem uma com a outra e se acariciam sem se verem. Se as vozes vissem. Se as nossas vozes se vissem, apaixonar-se-iam uma pela outra. Seria um amor imbatível. Porque as nossas vozes não são como nós: são tudo o resto que não as indiferentes.
[Junho de 2006]

Trivialidades 20

Falso alarme inoportuno

3.15 da manhã. Seriam 4.15 se a hora não tivesse sido alterada. O alarme de incêndio dispara ruidosamente. Depois de alguns momentos para acordar e perceber que o som existia mais do que dentro da minha cabeça (eventualmente dentro de um sonho), tive que decidir o que fazer. Considerei muito seriamente ir buscar phones e permanecer na cama. Não foi bonito ver todas aquelas caras ensonadas no corredor, algumas vestidas de pijama, outras de pés descalços…

Obviamente era falso alarme. Como já tinha acontecido noutro dia mas a horas mais decentes.

Poemas 9

Hiding place

You’ll never find me here
in this place I created
to hide myself from fear
deep, deep in my mind
no, you’ll never find
the place where I am
alone, without me or you
false, doubtful or true.
It’s so hidden and away
that I forgot the way
to come back again.

[Julho de 2002]

Pensamentos líquidos 13

Bent

Passei parte da tarde aqui

Trafalgar Studios

a assistir a esta peça de teatro. Sim, gostei. Bastante. Mas mais do que escrever sobre o valor estritamente artístico queria, com ela, marcar uma posição, quase à Sartre, (quando defendia a arte com um objectivo social). Mais um grito, se quiserem. Vendo bem as coisas, deveria criar uma rubrica nova - «O grito». Voltando.


Aborrece-me muito a ideia de contar “a história” das coisas, mas para marcar o ponto, vejo-me obrigada a. Resumidamente, na Alemanha dos anos 30, pré-Hitler, o movimento queer não era perseguido. Com a torrente nazi, as perseguições, para além dos judeus, atingiram todos aqueles que julgavam queer, chegando a dizer-se, na peça, que as únicas pessoas que estavam mais abaixo dos judeus nos campos de concentração eram os queer. Como em todo o lado há pessoas que se apaixonam. Ali, num campo de concentração, dois homens apaixonam-se; chegam a criar um mundo quase extra-sensorial para poderem estar juntos, visto não o poderem fazer num sentido mais físico e, inevitavelmente um deles é chacinado. [Reduzir a peça a isto é quase cruel porque, de facto, só atentando aos detalhes, às subtilezas de uma sensibilidade notável, ao texto em si, é que tudo isto ganha a densidade artística, mas… para isso recomendo que vejam ;-)]

Acho que não é preciso mais que replicar a punchline do texto.

«I just love you. What is wrong with that?»

E, depois disto, pensar como ainda não se evoluiu nada e se continua nessa ignorância tacanha, anacrónica e desumana de tratar pessoas. Que gostam e/ou querem gostar de outras. É tão simples quanto isto. Ah, e estou obviamente a referir-me muito especificamente a Portugal. Porque, apesar de eu saber que isto acontece mundialmente, também sei que em Portugal ainda nem sequer é legalmente permitido que duas pessoas do mesmo sexo se casem. Ou adoptem. E convenhamos, socialmente é muito, muito mal recebido quando não sujeito a violência física ou outra.

Quando estava a passear, depois de ter visto a peça, e comecei a pensar como escrever sobre ela, achei que devia começar desde logo a advogar que todas as pessoas devem ter direito a decidir o que fazer à sua vida – analogia muito directa ao direito que acho que todas as mulheres têm em relação à IVG –, mas em ambos os casos é mais do que isso; é a obrigação de todas as outras pessoas respeitarem. E entretanto decidi utilizar a punchline que não deixa de ser um bocadinho manipuladora por tentar tocar ao sentimento, mas talvez seja mais eficaz do que os mil e um argumentos racionais e lógicos que eu poderia enunciar…

Trivialidades 19

Sobre calçado

Os homens ingleses calçam muito bem. Com estilo. Com elegância. Com sofisticação.

Trivialidades 18

Apontamentos de estranheza

Hoje, enquanto trabalhava, havia um ruído constante perto do meu ouvido esquerdo, qualquer coisa que se assemelhava ao som de água com gás que só parava quando eu olhava para esse lado;

Hoje, enquanto trabalhava, reparei no meu cabelo. E o espanto foi imenso. Subitamente ter cabelo pareceu-me a ideia mais estranha possível…

Homenagens 7

Fernando Pessoa

Reparei que tenho repetido à exaustão a expressão “há coisas”. De facto, há. E aqui, mais uma; uma daquelas coisas que merece ser tratada com delicadeza. A minha rubrica homenagens tem andado “esquecida” porque requer tempo. Não escrevo para ela por impulso como para as outras coisas, lá está. E há um senhor, um senhor cuja homenagem há algum tempo anda a marinar na minha mente. Vamos lá ver o que consigo fazer disto. Não ambiciono sequer estar à altura. Cairia certamente.

Quando comecei a ler Fernando Pessoa, senti-me arrebatada. Com a confusão. Com o… mar de sargaço. Com a coerência daquela profusão de sentimentos, sensações, ideias aparentemente incoerente.

Quando gosto muito de alguma coisa tenho alguma dificuldade em escrever sobre ela porque quero escrever muito bem. Com este receio nos dedos, escrever o post sobre Fernando Pessoa tornou-se difícil.

Mas nos últimos tempos voltei a ter uma vaga Pessoana. Primeiro, a minha irmã começou a estudar Fernando Pessoa nas aulas e as nossas conversas sobre ele recomeçaram. Como na altura em que lemos o Livro do Desassossego. E a excitação. A maioria dos colegas dela já criou aquela antipatia por ele porque “não percebem”. Nunca achei Fernando Pessoa inacessível, difícil. Sempre me fez muito sentido, alas

Depois, um mote que aligeira as coisas. Os Wordsong decidiram cantar Fernando Pessoa, mais heterónimos que ortónimo, mas decidiram cantá-lo. E eu achei bem. Eu acho bem. A música deles tem qualquer coisa de muito teatral, mas é uma maneira óptima de desmistificar Fernando Pessoa. Para os colegas da minha irmã…

Entretanto, porque andava em busca de um poema a propósito de um post, descobri um site enorme com poesia Pessoana. Parece-me que tudo isto justificaria um post, não estivesse já ele justificado por Fernando Pessoa ter escrito o que escreveu.

Eu não quero dizer muito sobre ele. Só que é muito bom quando nos deixamos estimular pela sua poesia e pela sua prosa. Sentir as picadas da incerteza. Da inquietude. Do… desassossego. Por isso, em vez de falar sobre o ortónimo (que é o meu preferido), dos heterónimos, dos semi-heterónimos, decidi escolher um poema de cada (ortónimo e heterónimos). Obviamente dos meus preferidos por um motivo ou outro. Deixo-vos com ele. Estão na melhor companhia.


Tudo o que faço ou medito

Tudo o que faço ou medito
Fica sempre pela metade,
Querendo, quero o infinito.
Fazendo, nada é verdade.

Que nojo de mim me fica
Ao olhar para o que faço!
Minha alma é lúcida e rica,
E eu sou um mar de sargaço ---

Um mar onde bóiam lentos
Fragmentos de um mar de alem...
Vontades ou pensamentos?
Não o sei e sei-o bem.

[Fernando Pessoa - ortónimo, Cancioneiro]


Falas de civilização

Falas de civilização, e de não dever ser,
Ou de não dever ser assim.
Dizes que todos sofrem, ou a maioria de todos,
Com as cousas humanas postas desta maneira.
Dizes que se fossem diferentes, sofreriam menos.
Dizes que se fossem como tu queres, seria melhor.
Escuto sem te ouvir.
Para que te quereria eu ouvir?
Ouvindo-te nada ficaria sabendo.
Se as cousas fossem diferentes, seriam diferentes: eis tudo.
Se as cousas fossem como tu queres, seriam só como tu queres.
Ai de ti e de todos que levam a vida
A querer inventar a máquina de fazer felicidade!

[Alberto Caeiro, Poemas Inconjuntos]



Começo a conhecer-me. Não existo

Começo a conhecer-me. Não existo.
Sou o intervalo entre o que desejo ser e os outros me fizeram,
ou metade desse intervalo, porque também há vida ...
Sou isso, enfim ...
Apague a luz, feche a porta e deixe de ter barulhos de chinelos no corredor.
Fique eu no quarto só com o grande sossego de mim mesmo.
É um universo barato.

[Álvaro de Campos]


Vivem em nós inúmeros

Vivem em nós inúmeros;
Se penso ou sinto, ignoro
Quem é que pensa ou sente.
Sou somente o lugar
Onde se sente ou pensa.

Tenho mais almas que uma.
Há mais eus do que eu mesmo.
Existo todavia
Indiferente a todos.
Faço-os calar: eu falo.

Os impulsos cruzados
Do que sinto ou não sinto
Disputam em quem sou.
Ignoro-os. Nada ditam
A quem me sei: eu 'screvo.

[Ricardo Reis]

Palavras de eleição 9

Estrépito

Pensamentos líquidos 12

Pena de morte por lapidação

Subscrevo uma newsletter da Amnistia Internacional. Hoje caiu na minha caixa de correio outro mail sobre a condenação à morte, por lapidação, de mulheres acusadas de adultério. Não sei que vos diga. Posso dar-vos o link onde podem assinar a petição. Não sei que grito posso dar neste caso; mas há coisas que não podem continuar assim e esta é, sem dúvida, uma delas.

E que ninguém se atreva sequer a falar-me em cultura depois de uma coisa
destas.

Arquitectura, artes plásticas e design 4

O grande Dalí


Elefante com pirâmide, Southbank, Londres

Trivialidades 17

Sobre o Schummi

Estou triste. Depois do Nelson Piquet, na altura em que eu não perdia um Grande Prémio de F1, apareceu o Schumacher e eu, por gostar mesmo mais dele ou por não querer ser só mais uma a gostar do Senna, tornei-me fã. Muitas pessoas não gostam dele, eu sei; reconheço até que ele chegou a ter comportamentos repreensíveis. Mas independentemente de tudo isso, todos sabemos. Hoje ele devia estar a celebrar o seu último Campeonato de Mundo. Só por ele ser quem é. Um grande piloto. Um dia destes apanhei num jornal «Schummi came from nowhere to rule the world». Yeah, today he should have had.

Trivialidades 16

Portobello Road

... on a Saturday morning

Recomendações 7

Alan Hollinghurst

Uma recomendação literária de Inglaterra. Não tenho a certeza como o descobri, mas julgo que no blog Resistente Existencial. Alan Hollinghurst é um escritor inglês que eu diria neo-realista, mas que não precisa de qualquer tipo de classificação para além da qualitativa e essa, meus caros, é muito boa. Já li vários dos seus romances e sempre com uma necessidade de ler mais.

A título de primeira recomendação, deixo-vos o último romance publicado «The line of beauty», obra que ganhou, por exemplo, o Booker Prize em 2004 e que foi já adaptada a televisão pela BBC (eu gostava de evitar dizê-lo, mas a adaptação não chega sequer aos calcanhares do livro).

Se o procurarem nas livrarias, estará catalogado sob literatura gay, não vá alguém levar um exemplar para casa e ficar chocado. Nas minhas estantes, está sob literatura de qualidade, em língua inglesa.

Apontamentos fugazes 20

Nota mental

Lembrar-me de, quando voltar para Portugal, convencer as pessoas a utilizarem mais mirtilos ou, para o efeito, berries em geral. Adoro berries e são muito mais utilizadas aqui ou na Europa Central do que em Portugal...

Pensamentos líquidos 11

Sobre IVG

Ainda não escrevi aqui sobre a IVG por um motivo cobarde e estúpido. Medo de não fazer um post suficientemente bom. Não pode ser, e mesmo que valha zero, há coisas que precisam de ser gritadas. Este é o post do grito.

Não mais é suficiente dizer que não se concorda, dizer baixinho porquê, dizer alto porquê, dizer só. É preciso gritar, é preciso que não se deixe mais utilizar argumentos idiotas, falaciosos, preconceituosos e, quase sempre, dogmáticos.

Eu também tenho coisas sagradas. A vida é, sem dúvida, uma delas. E principalmente por isto é que é, para mim, tão importante permitir-se a Interrupção VOLUNTÁRIA da Gravidez (IVG). Já perceberam que a palavra importante aqui é voluntária, não já? O meu domínio sobre mim é das coisas mais sagradas que posso ter: como é que alguém pode ter sequer a veleidade de achar que sabe escolher melhor do que eu o que é melhor para mim? Só esta ideia é de uma violência atroz. A arrogância de se achar que as outras pessoas são inconscientes que, não só não sabem o que é melhor para elas, mas não pensam sequer na consequência do que fazem é só isso: arrogância que se quer fazer passar por pura, que gosta de se mascarar com pseudo-argumentos científicos (peço desde já desculpa por utilizar esta palavra; é só para me fazer entender) mas que é na verdade uma sucessão falaciosa de palavras.

Se querem que eu seja mesmo, mesmo, sincera; posso dizer-vos que respeito mais os argumentos religiosos; pelo menos daí não aparecem enganos – todos sabem que partem de dogmas e contra esses, batatas. Resta aos que se opõem questionaram os dogmas e assim quebrar os argumentos. Racionalmente.

Também já devem ter reparado que há fetos, embriões, seja o que forem de primeira, de segunda, de… consoante sejam de relações livres ou de violações. E depois ainda há a separação entre fetos com deficiências visíveis ou não. Não me parece que o argumento da dor que o feto/embrião sente seja muito discriminante com a relação sexual que lhe deu origem, ou mesmo com as deficiências que eventualmente depois terá…É engraçado como ultimamente têm voltado a aparecer aqueles mails com imagens de fetos. Imagens surpreendentes, achievements cirúrgicos, tudo com o dedinho da manipulação por detrás. Estas manipulações de consciência enojam-me e, bem, também as pessoas que se deixam manipular.

Para mim a questão será sempre a da ESCOLHA (voluntária, lembram-se). De uma pessoa (que sabe que o é, tem consciência de si) decidir o que fazer com o seu corpo.

Remeto-vos para os posts do Henrique, do Boss... de muitas pessoas que já andam a gritar há algum tempo. E que escreveram o que eu gostava de ter escrito. Noto que no blog Renas e Veados há um conjunto muito interessante de links sobre o tema.
Por isso agora só quero propor que se grite mais alto e que, desta vez, seja impossível, por falta de voz, pôr-se um travão à razão. Para mim já não é suficiente ir a manifestações de contestação e apoiar movimentos como Women on Waves. É preciso não deixar que o resultado do último referendo volte a acontecer. [Sim, também acho que isto devia ter passado directamente na AR, mas depois da asneira do último referendo, compreendo que este tenha que ser o caminho a seguir].

Sei que este post não está muito bem escrito. Mas isto irrita-me de tal modo, choca-me de tal modo, que deixo cair requisitos semânticos que faria prevalecer noutros posts. Não faz mal. Desde que o grito tenha sido suficiente. Digo-vos. Espero conseguir gritar mais aqui do que o que cantei no último concerto dos Pearl Jam e olhem que não me calei o tempo todo.

Poemas 8

Sparkle

You sometimes sparkle
It’s not often, but you do.
You sometimes sparkle,
like when walking out of blue
and just being close to you
makes my body shiver so true
as if all last reality felt it too.

You sometimes smile
not for me, but even so
you sometimes smile…
and I realise it though
that this feeling like a flow
maybe strong but just for me
cannot live outside my fantasy.
[Julho de 2005]

Pensamentos líquidos 10

Sobre Londres


Escrevo-vos de Londres. De perto do Hyde Park, assim a caminhar para Notting Hill. A net está a funcionar bem e posto do meu laptop lindo por isso com acentos e tudo.

Foi a primeira vez que, em Londres, fiz compras “domésticas”. As minhas outras viagens aqui nunca necessitaram desse tipo de afazer. Foi giro. Amanhã vou trabalhar. Aqui. Não vou a uma reunião aqui. Vou trabalhar aqui. É giro.

Saí de Lisboa com calor; muito calor. Cheguei aqui com frio porque os aviões têm sempre esse impacto em mim. Mas a temperatura aqui até não está desagradável para a média londrina. O engraçado é que para mim traduz-se numa camisolinha e num casaco para um conforto mínimo, para alguns deles numa T-shirt….

Giro, giro era agora ir ver o Chelsea e já que não pode ser no estádio, podia ser num desses pubs tão engraçados. Uma pena eu não gostar de cerveja.

Cumprimentos londrinos.

Desafio a... mim

Prémio ao visitante 1 000

O visitante 1 000 pode pedir-me um texto. Prometo escrever um texto sob as regras do visitante 1 000. O prémio pode ser escolher um tema, uma punchline, um recurso estilístico, o que quiser. Eu comprometo-me a escrever um texto literário para o acomodar; não me comprometo com prazos, só com o texto e a sua divulgação no blog.

Para fazer o pedido, o visitante 1 000 deve enviar-me um print screen do número de visitante e o pedido para o meu email address (ver profile).

Contos 8

Ciclo D - Raio verde

Naquela noite, os olhares foram mais prolongados. Fluía uma vibração diferente, ou era talvez uma necessidade minha. Uma maneira tosca de colmatar a falta de outra coisa. A inconcretização.
Paradoxalmente. A sobre-análise traía os resultados, nulos. Nunca saber. Por mais que se busque respostas, esclarecimentos, verdades; por mais que se busque a essência. Porque a essência é já criada e não se pode agarrar o que mudado é pelo processo de agarrar. Por isso os olhares eram já fruto da busca e não uma busca em si. Apetecer-me tanto chegar a minha cabeça para perto do teu ombro era só um reflexo da necessidade. De ti? Nunca o saberei. Desenhar as tuas mãos perfeitas na minha mente problemática era aplacar a incerteza com o imediato de estares ali, tão perto de mim, a partilhares olhares que eu via prolongados, que eu sentia vibrantes, ocultantes de uma realidade que se sabia maior do que a visível.
Um desequilíbrio não aparente. Enquanto evidenciava reacções conexas ao que é esperado de cada um, percurso sem curvas de hesitação. A proximidade de alguém como tu foi o móbil de um crime do qual fui vítima e criadora. Uma dor constante.
Em momentos escusados, podia ter tentado o inimaginável, o negado já antes de existir, o desmentido antes de o pensar, mas não tinha direito de o fazer. Era suficiente que a confusão fosse minha e com ela a angústia, não precisava de repercutir os resultados negativos de mim em ti. E todavia, fazia pouco sentido não aceitar que pudesses também tu ter ideias confusas, desconexas, intermitentes; paixões diárias ou sentimentos ilusórios, descontínuos. Tentativa. Merecíamos tentar; se os olhares, se os olhares prolongados fossem verdade.
Mas enquanto a tentativa escoava nos segundos fugidios, a oportunidade escapava-se por entre os dedos abertos. Não entre os teus dedos esguios, perfeitos.
Depois o toque dos nossos braços. Suave. Furtivo. Expectante ou só eu o sentia assim, propositado? Escondido em movimentos naturais, espontâneos para todos que não nós. Que não eu? Que não eu. Criava a minha ilusão em toques vibrantes de pouco significado coerente, mas havia um fluxo de energia a percorrer-me o corpo de emoção, como adolescente. Bom. Tão bom reprovar aquela sensação de explosão contida, aquela sensação de novidade inultrapassável. Aquele raio de energia intensa. Se te encontrasse os olhos agora, no momento certo. Teria que ser no momento certo. No único momento possível em que os teus olhos me levassem à tua boca nua, expectante, entreaberta de indecisão. A tua boca como eu.
Se encontrasse os teus olhos agora, direccionados a mim, desviarias o olhar, fixarias com obstinação a minha boca. Os meus olhos ser-te-iam proibidos até a tua boca conhecer a minha de cor. E no entanto. Se no momento de raio verde, encontrasse os teus olhos poderia criar uma verdade inexistente, uma verdade primordial, só para nós; uma verdade que só existiria para acomodar a audácia de não ser provável. Forçada? Um esforço de esconder a infelicidade, um conforto mentiroso?
Mas se encontrasse os teus olhos, assim, talvez agora, já preparados para o meu olhar, se… se os olhares prolongados fossem verdade e, talvez num momento instantâneo desses, talvez… agora, se encontrasse os teus olhos direccionados a mim, mesmo sem pensar se seria correcto ou não, talvez, nesse momento de raio verde, em que o horizonte era a linha dos teus olhos, talvez pudesse beijar os teus lábios com a indecisão da tortura mas com a felicidade da tentativa.
Enganar-me-ia se o fizesse? Querê-lo-ias? Magoar-te-ia muito se um dia depois, uma semana depois, um mês depois se, passado um tempo indefinido descobrisse que eras a janela do salto alternativo, a compensação de não ter tido outro olhar, desse outro olhar não ter sido repetido ao cansaço dos olhos com alguém que não tu? Valeria a pena o risco? O risco de cruzar o teu olhar no horizonte da linha do raio verde?
[Fevereiro de 2006]

Pensamentos líquidos 9

Sobre mim

Não tenho postado. O tempo curto e a falta de clareza foram suficientes para este jejum.

Espero quarta-feira voar para dois meses em Londres e espero que isso me faça respirar o ar de que tenho sentido falta aqui. Mas vou mais calma do que tenho estado. Mais consciente. Espero postar de lá... com acentos.

Há alguns dias (semanas?) fechei um ciclo porque fazia sentido. Hoje quero começar outro. Porque faz sentido. Apresento-vos o Ciclo D.

Recomendações 8

Cinema em espanhol

Sabem? Gosto muito de cinema espanhol; ou melhor, de cinema de língua espanhola. Ultimamente voltei a ver vários filmes nesta língua e concluí que se fizesse uma classificação sumária, este “tipo” de cinema teria uma média superior a qualquer outro. Para mim, obviamente. É o tipo de cinema que me assenta que nem uma luva. É um cinema muito humano, no sentido de ser sobre pessoas, pensamentos, relações, constrangimentos sociais; no qual os efeitos técnicos raramente importam; é muito cru nesse aspecto, muito tríade “argumento+desempenho de actores+realização”, a tríade que, para mim, realmente importa.

Por isso deixo aqui, em jeito de recomendação, alguns dos filmes de língua espanhola que acho valer a pena ver. Sem qualquer tipo de carácter exaustivo, aqui vai:

> Abre los ojos (Amenabar, 1997)
> Cha-cha-cha (del Real, 1998)
> Todo sobre mi madre (Almodóvar, 1999)
> Segunda piel (Vera, 1999)
> Amores perros (Iñárritu, 2000)
> Y tu mamá tambien (Cuarón, 2001)
> Hable con ella (Almodóvar, 2002)
> Cachorro (Albaladejo, 2004)
> Mala educacion (Almodóvar, 2004)
> Mar adentro (Amenabar, 2004)
> Volver (Almodóvar, 2006)

Foi mera coincidência, mas este post faz todo o sentido a seguir ao último.

Pensamentos líquidos 8

Sobre arte

Isto anda a pairar na minha cabeça há muito tempo. Demasiado tempo, aliás. Já perceberam decerto o valor que dou à arte, não já? É altura de o explicar.

Há três maneiras de encarar a arte. A primeira é encarar a arte como encarar outra coisa qualquer, um vaso partido, um rio no Panamá ou uma barragem. É arte é, para estas pessoas, uma coisa que tem uma função ou não; desconfio que, para muitas destas pessoas a arte é na maior parte dos casos nula. Não me interessa falar deste grupo porque basicamente não há grande coisa a discutir aqui (G1).
Há depois o outro grupo, o daquelas pessoas que encaram a arte como algo valioso mas de valor estritamente estético, no qual o estético compreende somente características de estrutura, de forma e a arte é tanto melhor, mais valiosa quanto mais correcta.
Finalmente, o último grupo (G3) tem aquelas pessoas que acham que a arte, mais do que ter intrínseco valor estético, tem valor racional. Para estas pessoas a arte é o crivo último da razão. Muito como acontece com a filosofia. [Acho que é por isto que eu acho que a filosofia é qualquer coisa entre uma ciência e a arte.] Para estas pessoas a arte é a única maneira possível de dizer uma coisa, de saber por que se diz e fundamentalmente de a compreender. Aqui a arte é tanto mais valiosa quanto mais perfeita.

Não preciso de vos dizer em que grupo me insiro…

Para mim, a arte faz sentido para tornar o mundo mais suportável, mais bonito (G2). De facto não me consigo dissociar da estrutura de cada obra de arte, da sua forma, daquilo que se lhe retirássemos o conteúdo restaria (exercício virtual); até porque esta forma e o conteúdo são indissociáveis. Por isso há coisas que, por falta de qualidade estrutural, me chocam. Mas há outras que, por falta de qualidade substantiva me chocam a sensibilidade artística (G3).

Para mim; volto a escrever, para mim; a arte “vazia”, de valor estético não me afecta da mesma maneira. Não quero com isto fazer um juízo de valor em relação a ela porque não faz sentido, mas eu nunca poderei gostar tanto dela. Por falta de afinidade. Porque não me ajuda. Pode ser um problema meu, mas eu não entendo a maior parte das coisas que queria entender e, por muito que argumente que sou eu a construir-me, também não me entendo na maior parte das vezes. E algumas coisas ganham um sentido na arte.

Muitas pessoas buscam conforto na religião, em algo divino que lhes aplaque o que não explicam. Eu não. Porque não quero, porque Deus/deuses não fazem sentido para mim, porque não são racionalizáveis para mim; a arte é, porque é humana.

O que acabei de escrever não deve, de maneira alguma, ser entendido como capaz de defender alguns tipos de arte em detrimento de outros. Não é isso que está aqui em causa. Para mim não faz sequer sentido que alguma vez esteja. Senão vejam…

O meu compositor de eleição é Chopin; sei que Liszt, por exemplo, era mais virtuoso, mas nunca me deu tanto. Há sinfonias do Beethoven fantásticas, mas não troco nenhuma das sonatas por todas elas. Continuo a gostar muito de Bach, foi o meu primeiro fascínio erudito, mas apesar das obras irrepreensíveis nunca vai conseguir o que Tchaikovsky conseguiu com um trecho de Romeu e Julieta, em que eu quase conseguia sentir a morte deles. Mas acham que por ter falado de alguns compositores eruditos, eu considero este tipo de música de algum modo mais… legítimo? Acham que é por isso que eu gosto menos de Pearl Jam, por exemplo? Ou de Muse, ou de Radiohead? Não, claro que não. E sabem porquê? Porque todos me oferecem uma compreensão tácita. Porque há uma afinidade que não poderia achar em qualquer outra coisa.

Não sei se me esclareci. Sei que a arte e o único sítio possível onde posso buscar entendimento, onde posso compreender quais as buscas a encetar, e eventualmente, com um bocadinho de sorte, onde posso ir criar algumas respostas. Ainda que respostas só para mim.


Agora expliquem-me lá, depois disto tudo… como é que eu sou economista?

PS. Deixo para outro dia a discussão da “arte-objectivo”, está bem? É que estou a ficar um bocadito cansada.

Apontamentos fugazes 19

Onde é que se compra uns pacotinhos de clarividência?

Palavras de eleição 8

Sublime

Poemas 7

Fear

Sometimes I feel happy,
but once I look to that smile in the mirror
I realise I can only be sad
‘cos every time I’m glad
Something bad happens.

The grief, the pain
I feel always insane;
the sorrow, the guilt
my body to be built.
The loneliness among all these people.

The unhappiness, the sadness
my own, eternal madness.
My tears are dry,
I’m laughing in a lie,
running away from myself.

Screaming, in silence, for help
Drifting away for some truth
My rising shame
for what I haven’t done
remembering how I felt.

Lying to me so that can be truth
I’m never in the right mood.
But now, this lusting wish
I feel for you,
is it true?

Don’t know what should I do
to make my feelings come true.
Don’t want any happy, empty story
neither some moments of glory;
just the real, brutal truth.

Tell me, is it painful?
Will I hurt you?
I feel so awful,
that I want to protect you
from my hell…

[
Agosto de 2000]
Para o Ruben

Pensamentos líquidos 7

Sobre relativização

Vou trabalhar em Londres durante dois meses. Vou pagar de renda por semana em Londres o que pago por mês pelo meu apartamento em Lisboa.

Arquitectura, artes plásticas e design 3

Ponte Vasco da Gama

... às vezes tenho a sensação que podia passar, sem me fartar, vezes sem conta na ponte.

Homenagens 6

Oito desafios ao mundo

É fácil dizer que o mundo vai mal e que seria melhor se fosse de outra maneira. É fácil. Acabei de o escrever em não mais que 3 segundos. Mas quem de nós faz mesmo qualquer coisa para mudar, ajudar a mudar um bocadinho? Um bocadinho que seja; porque um bocadinho pode já ser muito.

Podia dar exemplos de bocadinhos. Mas prefiro direccionar-vos a quem está a fazer o seu bocadinho…

http://oitodesafiosaomundo.blogspot.com/

…porque é daqueles bocadinhos que é já muito.

Apontamentos fugazes 18

Sobre fotografias da mente

Normalmente, a minha mente já é complicada. Mas ultimamente, a fotografia da minha mente é assim…


Mas na minha mente não há Catherine Zeta-Jones. Só os raios e eu. A bater contra todos.

Recomendações 7

The pillow man

Sei que as minhas recomendações se têm quedado pela música. Não por privilegiar esta forma de arte sob as outras; já o fiz, agora nem tanto; mas porque tem sido mais fácil (e rápido) fazê-lo. Em jeito de auto-crítica acho uma vergonha não ter ainda feito uma recomendação/comentário literário, mas demora mais tempo a escrever e, por isso, não o tenho feito.

De qualquer modo. Hoje aproveito para fazer uma recomendação teatral. Mas só para aqueles de estômago forte, só para aqueles cujos abdominais suportem uns quantos murros.

Detesto que me perguntem, quando li um livro, vi uma peça, um filme, me perguntem «Então, e qual era a história?» porque assumem que tudo tem que contar uma história. Mas ainda assim, se tivesse que dizer sobre o que era a história desta peça, diria só que era sobre um escritor que escrevia contos e que dizia que o único dever de um contador de história era contar uma história.

Para mim, o que interessa na arte não é a “história” que tem por detrás; mas muito mais o que tem lá dentro e o que de lá de dentro reage em mim. O "The Pillow Man", peça de Martin McDonagh, agora no Teatro Maria Matos, encenada por Tiago Guedes, tem muito lá dentro e muito reagiu comigo. Tem, a representar, Gonçalo Waddington, Marco D’Almeida, Albano Jerónimo e João Pedro Vaz.

Tem o evidente, a ligação do escritor à obra e a relação inextricável dos dois. Tem a imitação daqueles que se admira, às vezes inquestionável. Tem a dúvida. Tem dor; muita dor. Tem o pôr em causa da justificação do erro. Tem a não consciência do erro por ingenuidade. Tem inevitabilidade, mas não previsibilidade. Tem o carácter superior da obra de arte. E aqui tenho que parar. Porque se já estava arrebatada pela peça porque é brutal em dois sentidos, na crueza e crueldade do que é e representa e na qualidade que tem; quando, de viés, aborda o carácter, a importância da obra de arte, deixou-me knocked out, logo ali. Não posso negar que é uma questão muito importante para mim. Essa é uma das minhas buscas. Katurian, na peça, diz «Eu não estou a tentar dizer nada. É essa a minha busca.» mas em ironia. Quem quer dizer nada, está calado. E quem quer dizer nada não pede que não destruam o que escreveu. Porque a arte pode ficar para sempre. Uma pessoa morre. E é aqui que a arte é maior do que nós, não por ser divina, mas por ser humanamente divinizável, por ser a perfeição possível. É-o, pelo menos, para mim. Mas este tema fica para um post à medida.

Agora que já deambulei, volto. A peça tem ainda o carácter visceral de me levar à dor de cabeça o que, contrariamente ao que possam pensar, é bom porque é sinónimo de genuinidade, de autenticidade, de… verdades. É este tipo de arte que, pelas dúvidas e pelas perguntas escondidas sob as afirmações, me ajuda na busca. E é isto que não encontro em mais lado algum…