Recomendações 61

Melancholia - o filme das inevitabilidades

Vejo Melancholia como um filme de inevitabilidades, mas não como um filme de clichés. E há um grande diferença entre os dois conceitos.

Melancholia é um filme que explora sentimentos individuais, em particular, a dor e o egoísmo de uma forma brilhante. Mas que os aceita como quase inevitáveis. Há quem magoe porque quer, há quem magoe porque é egoísta, há quem magoe porque não sabe fazer melhor... Mas há sempre quem magoa. E há também quem é magoado e que acaba por magoar outros. E há a dor, sempre a dor.

E é também o filme que analisa a reacção dos indivíduos à inevitabilidade. Desde logo, à inevitabilidade de os outros esperarem algo de cada um de nós. Mas também a reacção do indivíduo à inevitabilidade de algo maior, de algo incontornável. Há aqueles que aceitam, há aqueles que desistem e há aqueles que, apesar de saberem a inevitabilidade, decidem lutar.

Mas Melancholia não é um filme para todos os dias. É que enche o ar de uma densidade que assusta. E, ainda assim, é um filme over-rated.


[Melancholia, Lars von Trier]

Poemas 43

Awareness

I don’t know if you are aware
but I feel in total, deep despair
my lungs are running out of air
and I haven’t the strength to dare.

I have tried to tell someone
how my blood is getting thick
how my body is turning sick
and no action ever done.

I have tried quite sadly
but it’s always the same anguish
like escaping from an ambush...

So, I need to get rid of the evidence
that lingered of this happenstance
of needing you so badly.

[Novembro de 2004]

Melhores temas de sempre 9

Nocturno op. 27, no. 2 – Chopin





[Por Nikolai Lugansky]

Apontamentos fugazes 199

I’ve been thinking about you

So how can you sleep?





[Thinking about you, Pablo Honey, Radiohead]

Recomendações 60

Noah Gundersen

A excitação de encontrar artistas que ainda não se conhece e sentir aquele êxtase. Aconteceu há muito pouco tempo novamente. E é inigualável. Este rapaz - Noah Gundersen – é um compositor fantástico e tem dois EP verdadeiramente deliciosos. De uma pureza muito atípica. Recomendo.




[Family, Noah Gundersen, Family, 2011]


[David, Noah Gundersen, Family, 2011]


Obrigada C! Nunca teria encontrado o Noah de outro modo.

Pensamentos líquidos 109

Os 100 melhores livros de sempre

Quando era mais nova, sentia por vezes uma angústia enorme ao consciencializar que, por escassez de tempo, nunca poderia ler todos os livros que quisesse. A angústia foi-se dissipando, mas penso frequentemente que posso estar a deixar escapar livros importantes. E, por isso, de tempos a tempos, olho novamente para a lista de prémios Nobel ou pesquiso listas de melhores livros de sempre. Acabo, quase sempre, ligeiramente desiludida porque as listas não me agradam.


Todavia, não há muito tempo, encontrei uma lista dos 100 melhores livros de sempre, elaborada pelo The Guardiam em 2002.


Esta lista é relativamente especial porque não é limitada em períodos ou línguas e foi preparada a partir da opinião de escritores de todo o mundo. E, numa perspectiva mais egoísta, porque contém vários autores e títulos que estariam na minha lista pessoal. Desde logo, tem vários romances de Dostoyevsky, de entre os quais “O idiota”, um dos meus livros de eleição. De entre os russos, apresenta ainda Tolstoy, Gogol e Tchékov. Não negligencia Ulisses, de James Joyce, por muitos considerado o melhor livro de todos os tempos e uma lacuna pessoal. Ainda Stendhal, Proust, Camus, entre outros franceses; Jorge Luis Borges, Gabriel Garcia Marquez; Edgar Allen Poe, Hemingway, Walt Whitman; Thomas Mann; Kafka; Shakespeare; Cervantes; Homero, Virgilio…


Sim, muitos destes nomes chamam muito a atenção. Chamam muito também a minha atenção. Mas talvez o que tornou a lista ainda mais especial, foi um nome em particular, que não costuma constar de listas assim. E esse nome é Pessoa, um dos meus poetas preferidos. A obra em causa é o Livro do Desassossego, na verdade assinado pelo semi-heterónimo Bernardo Soares, e segundo alguns, parcialmente escrito por Pessoa ortónimo. Infelizmente, nunca escrevi realmente sobre o Livro do Desassossego, nada mais do que isto. E culpo-me.

Mas, acima de tudo, o importante é que Fernando Pessoa está na lista. Ele foi/é um escritor fantástico e vê-lo numa listas destas deixa-me regozijar de contentamento.


O reconhecimento deveria ser só uma justa consequência.

Recomendações 59

Californication

Just a flavour




[Californication, excerpts from season 3]

Trivialidades 234

Climbing up the walls...

Trivialidades 233

Sonhos

O que é que significa mesmo sonhar com uma bebé recém-nascida que fala e tem uma tatuagem?

Homenagens 59

Ludwig van Beethoven

Acho que me tinha esquecido como o segundo andamento da 7ª Sinfonia de Beethoven é lindíssimo.




Beethoven, Allegretto, 2º andamento, 7ª Sinfonia, 1811-12

Apontamentos fugazes 198

Literature

«But what can a man who wrote literature all his life do? How can he escape the arcana of style? How, with what instruments, can you cloak the page with a pure confession, freed from the prison cell of artistic convention? Let me collect myself and have the courage to admit it: you can’t. I’ve known this from the beginning but, in my cornered animal cunning, I concealed my game, my stake, my bet from your gaze. Because, finally, I staked my life on literature. (…) But there is a place in the world where the impossible is possible, namely in fiction, that is, literature. (…) But then I, too, am a character, and I can’t stop myself from bursting with joy. Because characters never die, they live each time their world is “read”. (…) Thus, my wager and my hope.»


Mircea Cărtărescu, «Nostalgia», New Directions 2005, p. 22

Recomendações 58

The Black Keys



[Oceans and Streams, do álbum Attack and Release, The Black Keys, live]

Trivialidades 231

Lembrete

Deixar de andar na rua a pensar nas coisas que acontecem: é que não é fácil as pessoas perceberem por que é que alguém ri sozinha, canta sozinha, se entristece sozinha ou faz caretas quando não há crianças à volta…

Apontamentos fugazes 198

30

Como é que eu ter acabado de fazer 30 anos é tão absurdo, se 2011 menos 1981 é evidentemente igual a 30?

Covers melhores do que o original 4

Where is my mind



Original de Pixies



Versão de Placebo (aqui com Frank Black, himself)


Apontamentos fugazes 197

Reincidências



Hoje apeteceu-me muito escrever

«(...) Ai de ti e de todos que levam a vida
A querer inventar a máquina de fazer
justiça

E foi então que percebi que já o havia escrito anos antes, exactamente aqui.

Some things never change, do they?

Trivialidades 230

O ibuprofeno é uma invenção fantástica.

Recomendações 57

Um concerto dos Red Hot Chili Peppers

A minha noite de ontem!




[Californication, Festhalle, Frankfurt, October 2011]

Melhores temas de sempre 8

Lover, you should’ve come over – Jeff Buckley





Lover, you should’ve come over – live version, Grace, 1994

Trivialidades 229

My friends deliver babies, I deliver recommendations.

Recomendações 56

Another year

One of the best movies of 2010. Mike Leigh exquisitely portrays the life of a loving, happy family, contrasting with the lives of the family’s shattered friends. Their friends are just ordinary people that try to find some little solace and companionship for their grief.
And while in their twenties, this search is almost charming, free-spirited; it is utterly heartbreaking as time passes by, as they desperately hunger for something, for someone that makes some sense. Just someone to talk to… And no one comes. And all there is, is solitude, hidden behind whatever may bring some relief or forgetfulness.

Life is not always kind, is it?






[Another year, Mike Leigh, 2010]

Momentos de poesia 14

I cannot live with you

I cannot live with You –
It would be Life –
And Life is over there –
Behind the Shelf

The Sexton keeps the Key to –
Putting up
Our Life – His Porcelain –
Like a Cup –

Discarded of the Housewife –
Quaint – or Broke –
A newer Sevres pleases –
Old Ones crack –

I could not die – with You –
For One must wait
To shut the Other's Gaze down –
You – could not –

And I – could I stand by
And see You – freeze –
Without my Right of Frost –
Death's privilege?

Nor could I rise – with You –
Because Your Face
Would put out Jesus' –
That New Grace

Glow plain – and foreign
On my homesick Eye –
Except that You than He
Shone closer by –

They'd judge Us – How –
For You – served Heaven – You know,
Or sought to –
I could not –

Because You saturated Sight –
And I had no more Eyes
For sordid excellence
As Paradise

And were You lost, I would be –
Though My Name
Rang loudest
On the Heavenly fame –

And were You – saved –
And I – condemned to be
Where You were not –
That self – were Hell to Me –

So We must meet apart –
You there – I – here –
With just the Door ajar
That Oceans are – and Prayer –
And that White Sustenance –
Despair –

Emily Dickinson

Apontamentos fugazes 196

Absurdo de Camus, escrito por Camus II

«”Pois bem, morrerei.” Mais cedo do que os outros, evidentemente. Mas todos sabem que a vida não vale a pena ser vivida. No fundo, não ignorava que morrer aos trinta ou aos setenta anos tanto faz, pois, em qualquer dos casos, outros homens e outras mulheres viverão, e isso durante milhares de anos. No fim de contas, isto era claro como água. Hoje ou daqui a vinte anos, era à mesma eu quem morria. Neste momento, o que me incomodava um pouco no meu raciocínio era esse frémito terrível que me percorria, ao pensar nesses vinte anos para viver. O que tinha a fazer era abafar essa sensação, imaginando o que seriam os meus pensamentos daqui a vinte anos, quando chegasse, então, à hora da morte. Desde o momento que se morre, é evidente que não importa como e quando.»

Albert Camus, «O Estrangeiro», Livros do Brasil 2006, pp. 113

Homenagens 58

“Stay hunger, stay foolish”

Um amigo enviou-me o vídeo abaixo, em jeito de homenagem a Steve Jobs. E eu achei tão justa a homenagem e tão importante ouvir o que ele diz, que decidi partilhar convosco. Nada disto é uma lição inédita, mas é importante lembrá-la quando está esquecida.





Steve Jobs, discurso em Stanford


Obrigada P.

Apontamentos fugazes 195

Absurdo de Camus, escrito por Camus I

«Mas ele interrompeu-me e exortou-me, pela última vez, olhando-me de alto e perguntando-me se eu acreditava em Deus. Respondi que não. Sentou-se indignadamente. Disse-me que era impossível, que todos os homens acreditavam em Deus, mesmo os que não O queriam ver. A convicção dele era essa e, se um dia duvidasse, a vida deixaria de ter sentido. “Quer o senhor”, exclamou, “que a minha vida deixe de ter sentido?” Eu achava que não tinha nada com isso e disse-lho. Mas, através da mesa, estendeu a imagem de Cristo e exclamou: “Eu sou cristão. Peço-Lhe perdão pelos teus pecados. Como podes não acreditar que Ele sofreu por ti?” Reparei que me estava a tratar por tu… mas estava farto. O calor apertava cada vez mais. Como sempre que me quero desembaraçar de alguém que já nem estou a ouvir, fiz menção de aprovar. Com grande surpresa minha, tomou um ar de triunfo: “Vês, vês!”, dizia ele. “Não é verdade que crês e que te vais confiar a Ele?” É claro que, uma vez mais, disse que não. Voltou a deixar-se cair na cadeira.»


Albert Camus, «O Estrangeiro», Livros do Brasil 2006, pp. 79

Apontamentos fugazes 194

Absurdo de Camus, escrito por Sartre

«O que é então o absurdo como estado de facto, como dado original? Nada menos do que a relação do homem com o mundo. O absurdo fundamental manifesta, antes de tudo, um divórcio: o divórcio entre as aspirações do homem à unidade e o dualismo intransponível do espírito e da natureza, entre o impulso do homem em direcção ao eterno e o carácter finito da sua existência, entre a “preocupação” que é a sua própria essência e a inutilidade dos seus esforços. A morte, o pluralismo irredutível das verdades e dos seres, a ininteligibilidade do real, o acaso, eis os pólos do absurdo.
(…)
A sua originalidade
[de Camus] é, a seus olhos, ir ao fim das próprias ideias: para ele não se trata, com efeito, de coleccionar máximas pessimistas. Certo é que o absurdo não está no homem, nem no mundo, se os tomamos separadamente; mas, como é o carácter essencial do homem o “estar-no-mundo”, o absurdo é, em suma, unitário com a condição humana.
(…)
Então, se sabemos recusar o socorro enganador das religiões ou das filosofias da existência, temos algumas evidências essenciais: o mundo é um caos, (…) não há amanhã, visto que se morre.
(…)
Mas não é isto somente: é uma paixão do absurdo. O homem absurdo não se suicidará: quer viver, sem abdicar de qualquer das suas certezas, sem dia seguinte, sem esperança, sem ilusões e também sem resignação. O homem absurdo afirma-se na revolta. Fixa a morte com uma atenção apaixonada e esta fascinação liberta-o: conhece a “divina disponibilidade” do condenado à morte. Tudo é permitido, visto que Deus não existe e visto que se morre. Todas as experiências são equivalentes, convém somente adquirir a maior quantidade possível delas.»


Jean-Paul Sartre, prefácio de «O Estrangeiro» de Camus, Livros do Brasil 2006, pp. 8-12

Melhores temas de sempre 7

Unfinished sympathy – Massive Attack



Unfinished sympathy, Blue Lines, 1991

Apontamentos fugazes 193

Multi-tasking

Às vezes até eu fico espantada com o número de coisas que consigo fazer simultaneamente.

Apontamentos fugazes 191

Função da filosofia

«Science tells us what we can know, but what we can know is little, and if we forget how much we cannot know we become insensitive to many things of very great importance. Theology, on the other hand, induces a dogmatic belief that we have knowledge where in fact we have ignorance, and by doing so generates a kind of impertinent insolence towards the universe. Uncertainty, in the presence of vivid hopes and fears, is painful, but must be endured if we wish to live without the support of comforting fairy tales. It is not good either to forget the questions that philosophy asks, or to persuade ourselves that we have found indubitable answers to them. To teach how to live without uncertainty, and yet without being paralysed by hesitation, is perhaps the chief thing that philosophy, in our age, can still do for those who study it.»


Bertand Russell, «History of Western Philosophy», Routledge 2009, p. 2

Recomendações 55

Les chansons d’amour – Christophe Honoré

"Aime moi moins, mais aime moi longtemps."



Louis Garrel – Ma mémoire sale

Trivialidades 228

Ciclo hunks - Louis Garrel


The sexiest

Trivialidades 227

Ciclo guilty pleasures

Giggling

Apontamentos fugazes 190

Escalas

Antes de ti, o máximo era cem e acessível; depois de ti, o máximo é mil mas inatingível.

Obrigada L.!

Recomendações 54

An end has a start - Editors

Sim, sei que estou muito atrasada, mas só agora percebi que gosto muito deste álbum.



Racing rats, live, 2008

Trivialidades 226

Acho que tenho sotaque francês quando falo alemão...

Apontantos fugazes 189

É exactamente como eu

«Esta frase, é exactamente como eu, eu… parece ser um eco de aprovação, uma maneira de continuar a reflexão do outro, mas é um engano: na realidade, é uma revolta brutal contra uma violência brutal, um esforço para libertar o nosso próprio ouvido da escravidão e ocupar à força o ouvido do adversário.»


Milan Kundera, «O livro do riso e do esquecimento», Edições Asa, p. 86

Apontamentos fugazes 188

Excitação

Hoje, aquela excitação de olhos risonhos, apareceu novamente. E com ela a comoção da escrita e da existência do escritor. Obrigada, companheiros de casa. a

Apontamentos fugazes 187

Jeff

Trago o Jeff Buckley preso nos ouvidos para me lembrar. Da importância e da fatalidade.

Recomendações 53

In the mood for love – Wong Kar Wai

Apontamentos fugazes 186

Troubled


People are, usually, troubled in their teens. The challenge though is to keep troubled all our lives.

Trivialidades 225

Skills

É talvez deprimente, mas estou seriamente a considerar vestir-me de modo demasiado provocador amanhã, numa tentativa de distrair (corrijo, fazer concentrar) pessoas durante uma reunião. O meu objectivo não é perverso, garanto: só quero que a reunião corra bem.

a

Melhores temas de sempre 6

Ouvi dizer – Ornatos Violeta



[Ouvi dizer, “O monstro precisa de amigos”, 1999]

Apontamentos fugazes 185

Ironias


Tenho procurado saudosamente, sem convicção, a minha necessidade de escrever. E hoje, num domingo indefinido, em que tenho que trabalhar eficientemente, é que a vontade de escrever aparece como louca, saudosa de mim.

Apontamentos fugazes 184

Sobre o Senhor

«Perguntou isaac, Pai, que mal te fiz eu para teres querido matar-me, a mim que sou o teu único filho, Mal não me fizeste, isaac, então por que quiseste cortar-me a garganta como se eu fosse um borrego, perguntou o moço, se não tivesse aparecido aquele homem para segurar-te o braço, que o senhor o cubra de bênçãos, estarias agora a levar um cadáver para casa, A ideia foi do senhor, que queria tirar a prova, A prova de quê, Da minha fé, da minha obediência, E que senhor é esse que ordena a um pai que mate o seu próprio filho, É o senhor que temos, o senhor dos nossos antepassados, o senhor que já cá estava quando nascemos, E se esse senhor tivesse um filho, também o mandaria matar, perguntou isaac, O futuro o dirá, Então o senhor é capaz de tudo, do bom, do mau e do pior, Assim é, Se tu tivesses desobedecido à ordem, que sucederia, perguntou isaac, O costume do senhor é mandar a ruína, ou uma doença, a quem lhe falhou, Então o senhor é rancoroso, Acho que sim, respondeu abrãao em voz baixa, como se temesse ser ouvido, ao senhor nada é impossível, Nem um erro ou um crime, perguntou Isaac, Os erros e os crimes sobretudo, Pai, não me entendo com esta religião (…)»

José Saramago, «Caim», Caminho, p.85
a

Trivialidades 224

Ciclo hunks – Matt Bomer

Sexy, stylish and hot, hot, hot: 3 variantes de um motivo para eu visitar o meu blog.







Recomendações 52

A day in the day of days - Noiserv

Um E.P. fantástico





B.I.F.O.
a

Poemas 42

I would

I would scream my lungs out
Were I not to have lost my voice
I would have kept unbend
Were I not folded inside out.
I will love you forever
No matter all the hatred in me

Janeiro de 2011
a

Apontamentos fugazes 183

Excertos de Promessa

«Porque há mais verdade neste momento em que escrevo do que em todo o passado ou futuro.»

«Lembro-me que, às vezes, Sérgio largava, desgarrado, serra fora, sem aviso. De uma vez, lá o fui achar estirado entre penedos, olhando, pasmado, para o céu. (…) Ao ver-me, Sérgio não se perturbou:
– Que está a fazer? – perguntei com estupidez.
– Nada. Estou a sofrer.
(…)
– Então porque sofre?
– Isso é uma pergunta idiota, meu filho. Alguém pergunta porque é que a noite é triste e o sol alegre? Sofrer é tão natural e espontâneo como existir. Só os insuficientes é que procuram uma causa para serem felizes ou infelizes.»

«Por enquanto é livre porque, apesar de tudo, pensa. E só a acção nega a liberdade. Agindo, perde-se. Porque, quando se age, não se pode agir outra coisa.»

«E o interessante é sentir. Só isso dá p gosto de sermos. Sentir dilata o ser aos extremos limites. Diabo! Viver plenamente! A única coisa que temos à mão é a nossa vida. Mas ela própria se esquiva se tentarmos entendê-la como os seus existencialismos verificaram. Vem-nos, todavia, à posse integral se a libertarmos para um sentir máximo. Enfim, tudo isto é falso por estar a dizê-lo. Oxalá não me tenha feito compreender bem.»

«(…) se bem que poetas e filósofos, abraçados, se reclamam da visão última – definitiva – dos factos.»

« Mas que me importam os factos, se tenho as ideias?)»


Vergílio Ferreira, «Promessa», Quetzal, pp.40, 83-84, 85, 101, 119, 166, obra do espólio de VF
a

Pensamentos líquidos 108

Vergílio Ferreira, espólio e o primeiro post do ano

Leio Vergílio Ferreira novamente, como que a propósito da edição recente de obras do seu espólio. Como se motivos fossem necessários…
Leio Vergílio novamente e, como sempre, algo muito especial acontece. Tão especial que me culpo das palavras que utilizo para o dizer. Talvez só as dele pudessem dizer o eu quero. E então pareço querer arrancar verdades de mim, aqui, só para as dizer sobre ele.
Ora, a importância das coisas depende do sujeito. As minhas preocupações importantes parecem ter sido já todas pensadas, trabalhadas, resolvidas por V.
Tento escrever, com esta comoção de quem procura verdades e as encontra nas palavras de outrem. Verdades. Procura. Partilha de interesses semelhantes. É isto que V. me dá sem o saber. É nesta ‘arte-verdade’ que V. já tinha pensado, que encontro as respostas que procuro; as perguntas que procuro. São verdades individuais, inexoráveis, com uma força impossível de igualar. Para mim. Compreensão.
Disseram-me, como se eu não soubesse, que esta minha ‘arte-verdade’ é a minha religião. É-o, na perspectiva de ser maior; mas só aí. Em tudo o resto é mais genuína. É uma ‘arte-verdade’ individual, partilhada através da dúvida e por cumplicidade, nunca por dogma. É uma procura, mais do que uma resposta. E ironicamente é humana. O que a torna tão mais notável porque existe sem hipóteses.
Para mim é, talvez, a ‘arte-filosofia’. Porventura por isso nunca compreendi a fotografia como forma de arte. Porque a minha arte é muito mais do que um exercício estético de técnica. E por isso a sua subjectividade.
A obra de arte é tão mais especial quanto mais verdade trouxer. E V. traz-me muita.

Aproveito para parabenizar e agradecer à equipa Vergílio Ferreira pelo trabalho ao longo dos anos e, especialmente, a Fernanda Irene Fonseca e Hélder Godinho pela publicação destas obras do seu espólio. É muito apreciado.

Nos próximos tempos trar-vos-ei excertos de Promessa e de um Diário Inédito.
a