Apontamentos fugazes 184

Sobre o Senhor

«Perguntou isaac, Pai, que mal te fiz eu para teres querido matar-me, a mim que sou o teu único filho, Mal não me fizeste, isaac, então por que quiseste cortar-me a garganta como se eu fosse um borrego, perguntou o moço, se não tivesse aparecido aquele homem para segurar-te o braço, que o senhor o cubra de bênçãos, estarias agora a levar um cadáver para casa, A ideia foi do senhor, que queria tirar a prova, A prova de quê, Da minha fé, da minha obediência, E que senhor é esse que ordena a um pai que mate o seu próprio filho, É o senhor que temos, o senhor dos nossos antepassados, o senhor que já cá estava quando nascemos, E se esse senhor tivesse um filho, também o mandaria matar, perguntou isaac, O futuro o dirá, Então o senhor é capaz de tudo, do bom, do mau e do pior, Assim é, Se tu tivesses desobedecido à ordem, que sucederia, perguntou isaac, O costume do senhor é mandar a ruína, ou uma doença, a quem lhe falhou, Então o senhor é rancoroso, Acho que sim, respondeu abrãao em voz baixa, como se temesse ser ouvido, ao senhor nada é impossível, Nem um erro ou um crime, perguntou Isaac, Os erros e os crimes sobretudo, Pai, não me entendo com esta religião (…)»

José Saramago, «Caim», Caminho, p.85
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Trivialidades 224

Ciclo hunks – Matt Bomer

Sexy, stylish and hot, hot, hot: 3 variantes de um motivo para eu visitar o meu blog.







Recomendações 52

A day in the day of days - Noiserv

Um E.P. fantástico





B.I.F.O.
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Poemas 42

I would

I would scream my lungs out
Were I not to have lost my voice
I would have kept unbend
Were I not folded inside out.
I will love you forever
No matter all the hatred in me

Janeiro de 2011
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Apontamentos fugazes 183

Excertos de Promessa

«Porque há mais verdade neste momento em que escrevo do que em todo o passado ou futuro.»

«Lembro-me que, às vezes, Sérgio largava, desgarrado, serra fora, sem aviso. De uma vez, lá o fui achar estirado entre penedos, olhando, pasmado, para o céu. (…) Ao ver-me, Sérgio não se perturbou:
– Que está a fazer? – perguntei com estupidez.
– Nada. Estou a sofrer.
(…)
– Então porque sofre?
– Isso é uma pergunta idiota, meu filho. Alguém pergunta porque é que a noite é triste e o sol alegre? Sofrer é tão natural e espontâneo como existir. Só os insuficientes é que procuram uma causa para serem felizes ou infelizes.»

«Por enquanto é livre porque, apesar de tudo, pensa. E só a acção nega a liberdade. Agindo, perde-se. Porque, quando se age, não se pode agir outra coisa.»

«E o interessante é sentir. Só isso dá p gosto de sermos. Sentir dilata o ser aos extremos limites. Diabo! Viver plenamente! A única coisa que temos à mão é a nossa vida. Mas ela própria se esquiva se tentarmos entendê-la como os seus existencialismos verificaram. Vem-nos, todavia, à posse integral se a libertarmos para um sentir máximo. Enfim, tudo isto é falso por estar a dizê-lo. Oxalá não me tenha feito compreender bem.»

«(…) se bem que poetas e filósofos, abraçados, se reclamam da visão última – definitiva – dos factos.»

« Mas que me importam os factos, se tenho as ideias?)»


Vergílio Ferreira, «Promessa», Quetzal, pp.40, 83-84, 85, 101, 119, 166, obra do espólio de VF
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Pensamentos líquidos 108

Vergílio Ferreira, espólio e o primeiro post do ano

Leio Vergílio Ferreira novamente, como que a propósito da edição recente de obras do seu espólio. Como se motivos fossem necessários…
Leio Vergílio novamente e, como sempre, algo muito especial acontece. Tão especial que me culpo das palavras que utilizo para o dizer. Talvez só as dele pudessem dizer o eu quero. E então pareço querer arrancar verdades de mim, aqui, só para as dizer sobre ele.
Ora, a importância das coisas depende do sujeito. As minhas preocupações importantes parecem ter sido já todas pensadas, trabalhadas, resolvidas por V.
Tento escrever, com esta comoção de quem procura verdades e as encontra nas palavras de outrem. Verdades. Procura. Partilha de interesses semelhantes. É isto que V. me dá sem o saber. É nesta ‘arte-verdade’ que V. já tinha pensado, que encontro as respostas que procuro; as perguntas que procuro. São verdades individuais, inexoráveis, com uma força impossível de igualar. Para mim. Compreensão.
Disseram-me, como se eu não soubesse, que esta minha ‘arte-verdade’ é a minha religião. É-o, na perspectiva de ser maior; mas só aí. Em tudo o resto é mais genuína. É uma ‘arte-verdade’ individual, partilhada através da dúvida e por cumplicidade, nunca por dogma. É uma procura, mais do que uma resposta. E ironicamente é humana. O que a torna tão mais notável porque existe sem hipóteses.
Para mim é, talvez, a ‘arte-filosofia’. Porventura por isso nunca compreendi a fotografia como forma de arte. Porque a minha arte é muito mais do que um exercício estético de técnica. E por isso a sua subjectividade.
A obra de arte é tão mais especial quanto mais verdade trouxer. E V. traz-me muita.

Aproveito para parabenizar e agradecer à equipa Vergílio Ferreira pelo trabalho ao longo dos anos e, especialmente, a Fernanda Irene Fonseca e Hélder Godinho pela publicação destas obras do seu espólio. É muito apreciado.

Nos próximos tempos trar-vos-ei excertos de Promessa e de um Diário Inédito.
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