Pensamentos líquidos 113


Externalidades: positivas, negativas e como os músicos ficam sempre a perder

Tenho trabalhado mais horas do que as que consigo lembrar. Os dias passam mais ou menos difusos entre prazos e prazos e tarefas e tarefas. É uma indiferença triste dos dias. Mas há pequenas certezas que me confortam: como a música que posso ouvir ou os livros que posso ler, ainda que ultimamente tudo consumido em pequenas doses, por falta de tempo e por falta de disponibilidade mental. E isto aborrece-me.
Sempre que preciso de trabalhar arduamente e a inspiração e vontade são poucas, recorro ao meu instrumento de concentração e motivação: a música. E tenho recorrido tanto a este apoio, que tenho a sensação que o começo a esgotar. E isto aborrece-me bastante.
Ora, durante o último fim-de-semana, outro fim-de-semana de trabalho, em que inevitavelmente recorri, como uma desesperada, à música para trabalhar, relembrei a teoria das externalidades positivas da música sobre a produtividade no trabalho (ver também aqui). Mas percebi que a teoria é muito parcial. Sim, o facto de a música me permitir trabalhar mais e ser mais produtiva é uma externalidade positiva que, naturalmente, o meu empregador não paga. Mas há outro facto: ao ter que recorrer à música para trabalhar, estou a associar o trabalho e, em particular, o trabalho difícil e em condições problemáticas e que me causa angústia com a música que ouço. E isto cria externalidades novamente, mas agora negativas e entre outros agentes: por associar a música que gosto com o trabalho excessivo, posso estar a diminuir o meu gosto pela música. Ora, se o fenómeno for significativo, eu posso deixar de comprar música porque no meu processo de conhecimento dessa música – a que me permitiu ser mais produtiva – posso contaminá-la com os sentimentos relacionados com o trabalho. Em suma, não só os músicos causam externalidades positivas pelo aumento de produtividade, externalidades essas pelas quais não são pagos; como podem ter menos vendas porque a música que produzem fica associada ao trabalho, particularmente o trabalho em condições difíceis. E isto não me aborrece só. Isto irrita-me profundamente.
Eu posso perdoar algumas coisas. Os dias longos, as noites, os fins-de-semana a trabalhar. É difícil suportar o cansaço. Mas eu vou aguentando. Mas se alguém me estraga a audição do novo álbum dos Muse, eu não perdoo. E não estou a dizer isto só porque o álbum parece, às vezes, duvidoso.