Recomendações 79

While we’re young



While we’re young, Noah Baumbach

Pensamentos líquidos 118

Carta aberta a Luaty Beirão


Luaty, Henrique, Ikonoklasta,

Não sei como te chamar. Espero que não te desagrade que eu tente várias opções. É importante para mim poder chamar-te aquilo que gostas que te chamem.

Não nos conhecemos, por isso espero que não sintas que estou a invadir a tua intimidade ao escrever-te uma carta aberta. Achei fundamentar fazê-lo. Ao contrário de ti, não sou destemida para me colocar em perigo por uma causa. Mas tento utilizar a palavra como a arma mais forte que tenho. E gostava muito que pudesses ler estas palavras; gostava muito que estas palavras ecoassem nos planos políticos e reverberassem o suficiente para ajudar na mudança para a qual estás a contribuir.

Só posso imaginar a debilidade, a dor, que não comer te traz e o sacrifício que fazes para lutar. Mas, nessa debilidade física, todos vemos a tua força. E, por isso, peço-te, mesmo não tendo o direito de o fazer. Não deixes que te matem. A tua vida importa tanto e a tua morte deixaria um vazio infindável. A tua morte não traria a mudança que queres. Porque a tua força só pode continuar se estiveres vivo.

Por isso, vive. Vive. Por favor, vive. Porque somos nós quem te deve a ajuda possível na luta que travas. Mas não te podemos substituir na luta. Conseguiste, com essa privação imensa que passas, trazer os abusos do regime do Presidente José Eduardo dos Santos às televisões. Conseguiste que não nos esquecêssemos do que acontece em Angola; conseguiste que a imprensa, que se interessa por um tema pouco mais do que uma criança se interessa por um brinquedo antigo quando recebeu de presente um brinquedo novo, não ignorasse o que se passa em Angola. Conseguiste que discutissem novamente como uma democracia não é uma democracia só porque se chama assim. Conseguiste fazer-nos lembrar que uma democracia requer que a pluralidade de opiniões possa ser dita. Mesmo quando as Constituições o esquecem. 

Conseguiste lembrar-nos que o esforço também traz recompensa e que interessa lutar, mesmo quando o preço é demasiado alto. Conseguiste tanto. Conseguiste tanto. Mas é tempo de deixares que também lutem por ti. Só podes conseguir mais se te fortaleceres fisicamente. Bem sei, bem sei, que isso desinteressaria a maior parte daqueles que agora se interessam, daqueles que agora fingem interessar-se. Mas é tempo que outros lutem por ti. 

Sim, não tenho direito de te pedir coisa alguma. Não tenho direito, do conforto da minha casa, do conforto da distância ao regime, do conforto de quem pode escrever e manifestar-se, de te pedir coisa alguma. E, ainda assim. Peço-te: não deixes que te matem. A tua vida vale tanto. Deixa que agora outros lutem por ti, lutem contigo, lutem convosco. Porque também sei que não estás só. 

Não temos o direito de te desiludir. 

Sei que é incipiente. Sei que é nada. Mas vou tentar utilizar as minhas palavras para te ajudar.

Fica saudável.


Rita


Se quiserem assinar a petição da Amnistia Internacional - Portugal para a libertação dos prisioneiros políticos em Angola, podem fazê-lo aqui.

Recomendações 78

Je suis à vous tout de suite”, quando também a tolerância leva ao excesso

Todos nós recorremos a mecanismos de compensação para lidar com dificuldades. Alguns destes mecanismos são mais saudáveis do que outros, mas a necessidade deles é quase inexorável. 
A sequência natural da identidade humana é que estes mecanismos de compensação sejam únicos, ainda que frequentemente categorizáveis. Em “Je suis à vous tout de suite”, Baya Kasmi explora estes mecanismos na busca da identidade, numa comédia dramática provocadora. 
Há duas dimensões particularmente fascinantes no filme de Baya. A primeira está relacionada com o isolamento dos fatores sociais no desenvolvimento da personalidade. Ela mostra como, não obstante a importância do meio em que cada indivíduo se insere, as características individuais são determinantes para a constituição da sua personalidade. E mostra isto ao sujeitar dois irmãos, que vivem na mesma família, ao mesmo choque. A segunda alicerça-se na procura destes mecanismos de compensação, que acabam por ser relativamente perniciosos, num contexto de imensa tolerância. Mesmo numa família imensamente tolerante em que nada era repudiado, houve também a necessidade de procurar mecanismos de compensação extremos. 
O filme de Baya é terrivelmente complexo e parece querer conter mais do que poderia caber num filme comum. Mas dificilmente poderia ser mais verosímil. Também a vida não é organizada em pequenos compartimentos para podermos gerir cada bocadinho com tempo e em isolamento. A vida é multidimensional a cada segundo. Enquanto alguém sofre, outro ri. Enquanto alguém rejubila, outro definha.
Tenho, porém, que confessar que senti algum desconforto durante o filme. Há um pudor que não consigo afastar quando se mistura comédia num contexto de extrema dor. Mas haverá algo mais realista?
Enquanto alguém sofre, outro ri. Enquanto alguém sofre, pode também rir, exatamente como mecanismo de compensação. E eu não tenho o direito de o criticar.
Sim, vejam o filme. E fiquem a pensar sobre ele durante vários dias. Há muito em que pensar.



Je suis a vous tout de suite, de Baya Kasmi

Recomendações 77

Festa do cinema francês

Podem consultar o cartaz aqui

Recomendações 76

Benjamin Clementine

Há momentos especiais em que se encontra alguém que cria verdades inexoráveis. E estas verdades servem todos os entendimentos. São verdades perfeitas porque são arte que ecoa cá dentro. Benjamin Clementine é o artista que conheci hoje e que me deixou embevecida. Obrigada.



Benjamin Clementine, Cornerstone, in At least for now (2015)

Pensamentos líquidos 117

A angústia da escolha que é só aparente

Hoje é dia de eleições legislativas. Hoje, como nas outras eleições, votei, no exercício consciente do meu direito de voto. Do que vejo também como o meu dever de voto. 

Hoje, à semelhança do que aconteceu nas últimas vezes em que votei, senti-me mais minoria do que a minoria reconhecida. E durante o meu regresso a casa, após colocar o meu voto na urna, senti uma angústia terrível. Uma angústia de quem sabe que qualquer voto que faça não será fiel àquilo que defende. Uma angústia de quem sabe não ter votado bem. Uma angústia de quem não sabia votar melhor. A angústia obsidiante de saber que não existe um partido no qual se reveja, nem no mínimo exigível. 

Há os partidos, talvez mais realistas, mas com os quais tenho diferenças ideológicas fraturantes e nos quais não posso, nem quero, votar. Há os partidos bem intencionados, mas completamente distanciados da realidade. Há os partidos utópicos. E há os partidos que nem sabem bem o que defendem. E eu tive que votar num partido sem concordar com todos os seus princípios básicos. E isto, como cidadã, deixa-me destroçada. 

Sempre me reconheci como uma minoria. Durante muito tempo achei que por ter características e defender princípios que não são os da maioria dos portugueses, mas que seriam mais próximos das características de outros países. Estou cada vez menos certa disso. Mas as minhas características minoritárias estão a ficar de tal modo solitárias que se torna impossível fazer uma escolha política em Portugal. E não sei se quero aceitar uma das duas soluções que vejo: a primeira, entrar no mundo da política, que me desagrada e que receio me destrua; ou, a segunda, ir viver para um país escandinavo. A solução de compromisso seria começar um movimento cívico realista, consciente, humanista e íntegro. Mas não sei quanto energia terei para tal, sabendo, desde logo, que devo ser uma minoria ainda mais solitária do que julgava.

De qualquer modo, aqui fica: em termos globais, defendo princípios de uma sociedade solidária, cujos direitos humanos e cívicos nunca possam ser postos em causa, com direito de acesso à saúde, à educação e à justiça, mas com a responsabilidade pública e social de assegurar que as gerações atuais e futuras não ficam sobre-oneradas com os gastos públicos sobre-dimensionados, nem com a destruição do planeta; dentro do projeto da União Europeia que se quer melhor, mas que se sabe benéfico. Há alguém que se reveja nestes princípios fundamentais?

Mas sim… também existe a hipótese, não negligenciável, de eu não ser uma minoria tão pouco significativa. E de haver um hiato demasiado grande entre políticos e sociedade civil. Na verdade, não nego que considero que este é também um fator muito significativo nesta minha sensação de desfasamento com o poder político. De facto, em média, o trabalhador português que conheço é de melhor qualidade do que o político português que conheço…

Pois. Hoje é um dia de democracia. Mas o que sinto hoje é a frustração de uma minoria terrivelmente sub-representada. E a frustração por ser representada por uma classe política paupérrima. 


Sim. Mea culpa, também. Mea culpa. É necessário fazer mais!

Momentos de poesia 23

What are you doing here?

What are you doing here?
What do you want?
Is it music?
We can play music.
But you want more.
You want something & someone new.
Am I right?
Of course I am.
I know what you want.
You want ecstasy
Desire & dreams.
Things not exactly what they seem.
I lead you this way, he pulls that way.
I'm not singing to an imaginary girl.
I'm talking to you, my self.
Let's recreate the world.
The palace of conception is burning.
Look. See it burn.
Bask in the warm hot coals.

You're too young to be old
You don't need to be told
You want to see things as they are.
You know exactly what I do
Everything


Hidden Poems, Jim Morrison