Pensamentos líquidos 118

Carta aberta a Luaty Beirão


Luaty, Henrique, Ikonoklasta,

Não sei como te chamar. Espero que não te desagrade que eu tente várias opções. É importante para mim poder chamar-te aquilo que gostas que te chamem.

Não nos conhecemos, por isso espero que não sintas que estou a invadir a tua intimidade ao escrever-te uma carta aberta. Achei fundamentar fazê-lo. Ao contrário de ti, não sou destemida para me colocar em perigo por uma causa. Mas tento utilizar a palavra como a arma mais forte que tenho. E gostava muito que pudesses ler estas palavras; gostava muito que estas palavras ecoassem nos planos políticos e reverberassem o suficiente para ajudar na mudança para a qual estás a contribuir.

Só posso imaginar a debilidade, a dor, que não comer te traz e o sacrifício que fazes para lutar. Mas, nessa debilidade física, todos vemos a tua força. E, por isso, peço-te, mesmo não tendo o direito de o fazer. Não deixes que te matem. A tua vida importa tanto e a tua morte deixaria um vazio infindável. A tua morte não traria a mudança que queres. Porque a tua força só pode continuar se estiveres vivo.

Por isso, vive. Vive. Por favor, vive. Porque somos nós quem te deve a ajuda possível na luta que travas. Mas não te podemos substituir na luta. Conseguiste, com essa privação imensa que passas, trazer os abusos do regime do Presidente José Eduardo dos Santos às televisões. Conseguiste que não nos esquecêssemos do que acontece em Angola; conseguiste que a imprensa, que se interessa por um tema pouco mais do que uma criança se interessa por um brinquedo antigo quando recebeu de presente um brinquedo novo, não ignorasse o que se passa em Angola. Conseguiste que discutissem novamente como uma democracia não é uma democracia só porque se chama assim. Conseguiste fazer-nos lembrar que uma democracia requer que a pluralidade de opiniões possa ser dita. Mesmo quando as Constituições o esquecem. 

Conseguiste lembrar-nos que o esforço também traz recompensa e que interessa lutar, mesmo quando o preço é demasiado alto. Conseguiste tanto. Conseguiste tanto. Mas é tempo de deixares que também lutem por ti. Só podes conseguir mais se te fortaleceres fisicamente. Bem sei, bem sei, que isso desinteressaria a maior parte daqueles que agora se interessam, daqueles que agora fingem interessar-se. Mas é tempo que outros lutem por ti. 

Sim, não tenho direito de te pedir coisa alguma. Não tenho direito, do conforto da minha casa, do conforto da distância ao regime, do conforto de quem pode escrever e manifestar-se, de te pedir coisa alguma. E, ainda assim. Peço-te: não deixes que te matem. A tua vida vale tanto. Deixa que agora outros lutem por ti, lutem contigo, lutem convosco. Porque também sei que não estás só. 

Não temos o direito de te desiludir. 

Sei que é incipiente. Sei que é nada. Mas vou tentar utilizar as minhas palavras para te ajudar.

Fica saudável.


Rita


Se quiserem assinar a petição da Amnistia Internacional - Portugal para a libertação dos prisioneiros políticos em Angola, podem fazê-lo aqui.

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