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Je suis à vous tout de suite”, quando também a tolerância leva ao excesso

Todos nós recorremos a mecanismos de compensação para lidar com dificuldades. Alguns destes mecanismos são mais saudáveis do que outros, mas a necessidade deles é quase inexorável. 
A sequência natural da identidade humana é que estes mecanismos de compensação sejam únicos, ainda que frequentemente categorizáveis. Em “Je suis à vous tout de suite”, Baya Kasmi explora estes mecanismos na busca da identidade, numa comédia dramática provocadora. 
Há duas dimensões particularmente fascinantes no filme de Baya. A primeira está relacionada com o isolamento dos fatores sociais no desenvolvimento da personalidade. Ela mostra como, não obstante a importância do meio em que cada indivíduo se insere, as características individuais são determinantes para a constituição da sua personalidade. E mostra isto ao sujeitar dois irmãos, que vivem na mesma família, ao mesmo choque. A segunda alicerça-se na procura destes mecanismos de compensação, que acabam por ser relativamente perniciosos, num contexto de imensa tolerância. Mesmo numa família imensamente tolerante em que nada era repudiado, houve também a necessidade de procurar mecanismos de compensação extremos. 
O filme de Baya é terrivelmente complexo e parece querer conter mais do que poderia caber num filme comum. Mas dificilmente poderia ser mais verosímil. Também a vida não é organizada em pequenos compartimentos para podermos gerir cada bocadinho com tempo e em isolamento. A vida é multidimensional a cada segundo. Enquanto alguém sofre, outro ri. Enquanto alguém rejubila, outro definha.
Tenho, porém, que confessar que senti algum desconforto durante o filme. Há um pudor que não consigo afastar quando se mistura comédia num contexto de extrema dor. Mas haverá algo mais realista?
Enquanto alguém sofre, outro ri. Enquanto alguém sofre, pode também rir, exatamente como mecanismo de compensação. E eu não tenho o direito de o criticar.
Sim, vejam o filme. E fiquem a pensar sobre ele durante vários dias. Há muito em que pensar.



Je suis a vous tout de suite, de Baya Kasmi

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